Era a quarta vez que estava saindo com Rodrigo, quinta se contar a noite que nos conhecemos. Nos vimos uma festinha de brasilidades, trocamos olhares a noite inteira, mas ele só falou comigo quando já estava esperando um carro para ir embora. Pediu meu número, começou a me seguir no Instagram e mandar emojis com olhos apaixonados sempre que eu postava uma foto. Depois de uma semana de curtidas, me mandou uma música do Belchior e disse que tinha lembrado de mim: Medo de avião. Chamei ele pra sair e ficou chateado em não poder aceitar por conta de um compromisso inadiável, mas prometeu que retribuiria meu convite o quanto antes.
A essa altura, Rodrigo já tinha trocado os 😍 por 🔥🔥🔥 e me colocado nos Amigos Próximos para acompanhar sua rotina de treinos. Devolvi a gentileza, ele descobriu que eu também me empenhava na vida esportiva e ficou impressionado com minha receita de brownie proteico. Disse que queria provar e engajamos em um flerte culinário até ele sugerir tomarmos um açaí sem açúcar depois de uma partida de beach voley. Minha analista vive dizendo que preciso experimentar coisas novas, topei achando que fazer manchetes em uma praia artificial e trocar o topping de banana por morango com um cara razoavelmente atraente pudesse ser um bom início. Foi uma experiência divertida e enfim tivemos a chance de conversar um pouco mais na vida real.
Nada demais aconteceu e no dia seguinte ele me mandou um áudio dizendo que eu era ainda mais bonita do que ele lembrava daquela noite. Convidei Rodrigo para correr na orla da lagoa e depois de uma água de coco e um sprint, finalmente nos beijamos, meio desajeitado e pouco demorado, tinha um batizado da sobrinha pra ir naquele dia. Jurou que queria me ver de novo, mas demorou oito dias para me escrever e me chamar para jantar. Topei, tinha um restaurante que queria muito conhecer, ele insistiu que queria me agradar e cozinhar pra mim. Como sempre, aceitei.
Rodrigo me buscou em casa e fomos para seu apartamento, uma casa normal de homem normal, aquele ambiente meio triste, cheio de paredes vazias e desmobiliado, ele explicou que tinha acabado de se mudar, só tinha dez meses que estava ali. Depois de falar muito sobre seu trabalho começou a preparar um risoto, sua especialidade, o arroz ficou meio duro e ele usou um caldo de legumes industrializado. Tomamos um vinho muito doce, provavelmente era o mais barato do supermercado, mas já tinham tantos meses que não transava que não liguei, ele escalava e tinha pernas bonitas. O sexo foi mais rápido que o Ted Talk sobre carros elétricos e o preparo da comida, mas não foi tão ruim, dá pra gente se encaixar melhor na próxima vez, pensei olhando pra um lençol que não fazia jogo com as fronhas.
Não dormimos juntos. Ele me deixou em casa de madrugada porque tinha uma reunião na primeira hora do dia seguinte, mas disse que tinha sentido uma conexão naquela noite, na verdade, desde que nos vimos na balada, talvez valesse a pena insistir mais um pouquinho. Trocamos mensagens a semana toda e no fim de semana ele me perguntou se eu ligava de acordar cedo nos domingos, que queria me levar em um lugar especial. Quão cedo, perguntei, e Rodrigo disse que me pegava às nove. Dirigimos por vinte, trinta, quarenta quilômetros, escutando uma lista genérica de música eletrônica quando chegamos enfim na entrada de uma reserva estadual. Andamos um tanto a pé por uma estrada de terra, uma trilha no meio de pedras, reclamei que ele podia ter me avisado que precisava de um sapato melhor, mas Rodrigo disse que tiraria a magia da surpresa.
Quando alcançamos o destino final, estávamos em uma das cachoeiras mais bonitas que já tinha visto. Uma queda d’água imensa, piabinhas nadando aos nossos pés. Aquele homem de barba farta, cabelos longos, realmente me surpreendeu. Era um lugar lindo e fiquei feliz de verdade em estar ali, quando ele tirou a camisa fiquei ainda mais, nem me importei que era inverno e a temperatura da água era de geladeira, só mergulhei ao seu lado. Depois de um tempo nadando, deitamos em uma pedra e ficamos olhando o céu, apontando as nuvens com formatos de bichinhos e objetos. Quase pensei que pudesse até ser romântico.
O momento fofo acabou assim que avistamos um avião cruzando o horizonte e deixando um rastro na paisagem. Rodrigo perguntou se eu sabia o que era aquilo, disse que não, mas achava bonito como as linhas brancas ficavam no céu. Ele começou a ficar agitado, dizer que eu não tinha noção do que estava acontecendo de verdade no mundo. Pelas próximas duas horas, palestrou sobre a pulverização de produtos químicos emitidos pelo governo para adoecer a população pelos ares. Os rastros brancos não são vapor de água que sai dos escapes do avião, mas sim substâncias tóxicas para causar doenças respiratórias e controlar o clima, e consequentemente, toda a sociedade.
No início, tentei dar o benefício da dúvida e fiquei curiosa pra ver até onde ia chegar, respondendo que o neoliberalismo faz mesmo de tudo pra ter lucro, mas ele me cortou imediatamente dizendo que são as mesmas pessoas que estão por trás do capitalismo e do socialismo desde a Grécia antiga. Rodrigo já tinha pesquisado sobre muitas teorias da conspiração e acreditava na maioria delas. Sua favorita, claro, era a dos chemtrails, mas não demorou para que ele chegasse a um monólogo sobre Elon Musk e a inteligência artificial que vai extinguir todos os empregos do mundo para que o governo possa acabar com o dinheiro físico, criar uma renda universal para ter controle sobre até onde o combustível dos carros podem chegar e obrigar todo mundo a comer proteínas sintéticas. Ele contava tudo com tanta convicção e parecia sentir tanto prazer em estar descortinando a realidade pra mim que fiquei até constrangida de questionar ou interromper. Já passava do meio dia, o sol começava a me incomodar, e com a desculpa de estar cansada da caminhada, perguntei se ele se importaria se eu tirasse um cochilo rápido antes de irmos embora.
Na viagem de volta, ele me mostrou uma foto de pilotos de avião usando máscaras respiratórias com dois filtros e perguntou se eu queria assistir um documentário no YouTube. Para não parecer muito mal educada, falei que não precisava gastar o 4G com isso, mas assistiria depois, em casa. Passamos os 50 minutos seguintes escutando teorias sobre combustível de aviões porque ele tinha baixado o tal vídeo no celular. À noite, me mandou uma mensagem agradecendo o dia que tinha sido incrível, ele adorou a minha companhia e tinha se sentido muito confortável para ser ele mesmo. Sugeriu que na semana seguinte fossemos juntos para o interior, onde seu pai tem um sítio perto de um aeroporto, assim, poderíamos observar os voos que estão deixando mais rastros e descobrir por um radar quais companhias são mais coniventes com isso. Foi um convite que ficou sem resposta. E vai ficar – a não ser que eu precise transar de novo.
só quem viveu sabe
comecei a leitura pensando: acho que eu não saio com ninguém porque sou muito chata.
terminei a leitura pensando: ok, eu sou chata. Mas eles também são.