Pela manhã, chove oito milímetros. A tempestade só chega desavisada pra quem ignora a cor de chumbo do céu. Breve, mas forte. Chuva pode ser a inconveniência que for – molha a barra da calça, ensopa os dedos de quem caminha com sandálias, suja a blusa com os respingos dos carros apressados, atrasa o quadro de horário dos ônibus que param no centro da cidade, te obriga a sentar no banco molhado. Mas quem vive sua falta, sabe bem admirar sua presença.
Do quarto andar de uma galeria comercial, Seu Antônio parece ser dessas pessoas. Enquanto assiste à chuva, saca da cintura um telefone antigo, desses que ainda têm botões, e faz uma ligação. Aproveita o primeiro dia do ano para desejar um feliz ano novo e pedir para que sua filha, do outro lado da linha, não deixe de sonhar.
Falam sobre netos, ganhar na loteria, a noite da virada. A moça quer saber mais sobre a noite do pai, mas ele desconversa. Tem medo dos anos que chegam, sorrateiros, sem revelar o que está por vir – vai saber o que deus reservou. O ano que passou levou muita coisa e gravar isso na memória é doído. Antônio prefere não pensar nisso. Quis virar o ano fazendo o que gosta. Catou feijão, descascou mandioca. Quando terminou, sobrou a incumbência de lavar a louça.
A mulher se preocupa com a situação do pai. Tem certeza que não está precisando de nada? Ainda encarando a chuva, Antônio conta que chegou ao ano novo com três moedas no bolso – duas de vinte e cinco, uma de dez centavos – mas feliz de ter transformado o resto do dinheiro em uma passagem que vai levá-lo para encontrar a família em breve.
Ao fim da semana, vai receber por um trabalho e pretende trocar a bolsa de couro onde carrega suas roupas e documentos. A antiga foi um presente que está se desintegrando, mas é difícil se desfazer do pertence. Um homem de sorte não pode se desfazer de suas posses assim – são elas que continuam convidando a fartura a chegar, e o café da manhã servido na pensão, com banana-da-terra cozida, requeijão e pão de queijo feito com queijo de verdade não o deixam mentir.
A filha insiste, oferece para mandar algum dinheiro, enquanto ele teima que não é necessário. Naquele momento, Antônio só precisa que o amigo que vende cópias de filmes de faroeste chegue logo e abra a loja para ele ter onde ficar enquanto o temporal não passa. Chuva é bom, a gente não pode reclamar. Em breve ela vai estar mansa. Ele também estará.
ai ❤️
Amo !!!!