Nina Nina Não #52: Alberto vem às terças-feiras
Faz alguns meses que minha rotina ganhou uma atividade nova. Encerro o expediente mais cedo nas quintas-feiras e dirijo aproximadamente dezenove quilômetros até chegar ao Yara Clube. Depois de pagar uma certa quantia em dinheiro para receber uma toalha limpa e dobrada, passo no vestiário, desabotoo minha blusa, desafivelo o cinto, e em seguida tiro meias e sapatos. Só então posso arrancar a minha calça com urgência e entrar em um cômodo de 6 m² sem janelas e revestido de azulejos brancos, todos impregnados de eucalipto e vapor.
Assim que minha pele começa a absorver o calor ambiente, passo a sentir as tensões do meu corpo se dissolvendo, escapando com o meu suor. A sala opaca, esterilizada, com cheiro doce, tem sido uma das poucas coisas que me relaxam. Pilates, maconha, cromoterapia, escalada: nada me trouxe a paz de sentir meus vasos sanguíneos sendo dilatados, as vias respiratórias abrindo, sentindo o ar úmido e pesado, o coração colocando um pé no freio, devagar, desacelerando. Graças à acústica do ambiente vazio, consigo até escutar as gotas deixando o meu corpo e encontrando o chão. Sempre calculo meu horário de chegada e saída para não precisar compartilhar esses minutos preciosos com mais ninguém – nunca quis esbarrar em outro ser humano e comprometer minha tão sagrada cerimônia.
Meu plano funcionou perfeitamente a princípio, e aquele momento de sossego era o ideal para lidar com minhas tensões e eventuais questões burocráticas. Na nona semana consecutiva largando meus problemas na sauna, um indivíduo começou a aparecer no meu horário. Não fiz questão de cordialidade ou simpatia, não incentivei nenhuma interação diplomática. Cumprimentei o novo colega apenas em nosso primeiro encontro com um aceno monossilábico e nunca escondi que sua presença me incomodava – mas o que eu poderia fazer? Aquele senhor corpulento pagava o mesmo tanto que eu e tinha todo o direito de seguir ali.
Em meu dia mais curioso, quis saber mais, mas não quis dirigi-lo minhas palavras. Perguntei por ele na recepção. “Quem é aquele que vem sempre no mesmo horário que eu?” Lilian, a secretária me revelou seu nome sem entrar em pormenores. “É o Alberto, ele frequenta aqui há mais de quinze anos”. A informação já me era suficiente para dar nome ao tronco enrugado coberto por uma toalha branca. Embora eu já tivesse me acostumando com sua presença, não quis saber mais nada sobre ele por um bom tempo. Aceitei sua companhia, uma estátua de carne posicionada no box à minha frente, encarando ora o teto, ora a parede. Posso apostar que ele tinha algum sentimento parecido em relação a mim, mas pouco me importava.
Seguimos assim por alguns meses, um pacto de silêncio e vapor. Alberto e eu nos tornamos cúmplices do conforto e do relaxamento, até que um dia começamos a cruzar olhares sem desvio. As primeiras palavras que ele me dirigiu foi sobre um acidente na rodovia ali nas redondezas. “Ficou sabendo do engavetamento no Anel Rodoviário?” Eu disse que sim, uma coisa terrível, circunstância fatal. Lamentamos rapidamente – pelas mortes e pelo trânsito acumulado – e o silêncio voltou a ocupar os azulejos, mas quando estava prestes a ir embora Alberto voltou e me avisou que recebeu umas fotos do local, antes do resgate chegar. “Quer ver?”
Em um impulso de um interesse que não me é comum, respondi que sim. Saímos da sauna, sentamos lado a lado no vestiário e vivemos juntos cerca de dezessete imagens do choque entre três carros e uma motocicleta que matou seis passageiros. Não proferimos muitos comentários, só olhávamos os corpos, as ferragens, os vidros estraçalhados, o sangue tingindo o asfalto quente. Senti uma satisfação inesperada ao ver aquilo. Não era repulsa, não era nojo, também não era prazer. Mas sei que não conseguia desviar o meu olhar e nem deixar de passar as horas seguintes pensando em detalhes insignificantes que compunham aquelas cenas.
Fiquei um pouco atordoado com a satisfação que tive ao ver aquelas imagens e quis mais. Na semana seguinte, foi minha vez de compartilhar materiais inéditos: mostrei a Alberto as fotos do acidente de avião que matou um cantor sertanejo recém-publicadas em um site de fofocas. Passamos a fazer isto com regularidade e aos poucos, criamos nosso próprio rito: quinze minutos de sauna, quinze minutos de vídeos e imagens amadoras de catástrofes. Ver aquilo me relaxava quase tanto quanto o vapor da sauna, talvez mais. É claro que eu poderia buscar fotos e vídeos sem ter que dirigir dezenove quilômetros, mas continuei frequentando o Yara Clube porque sabia que Alberto era antigo naquilo, tinha mais contatos e mais acessos do que eu poderia conseguir sozinho. Passei a me perguntar se ele trabalhava com resgates, com emergências, ou só era um cara com um fetiche mórbido. Talvez também estivesse me tornando assim.
Nunca perguntei sobre sua vida pessoal. Jamais conversamos sobre nada, só nos sentávamos juntos e víamos as imagens pixelizadas na tela do celular um do outro. Nunca compartilhamos um arquivo, não trocamos um contato. Não sabia sobre seu trabalho, se tinha filhos, se já perdeu alguém em um acidente fatal. Na minha cabeça, Alberto só existia naquele lugar, com aquelas fotos, e estava tudo indo bem assim. Acontece que no Dia dos Namorados me senti sozinho, resolvi ir ao cinema assistir alguma besteira. Peguei ingresso para uma comédia nacional açucarada que estava em cartaz. Vi Alberto com uma mulher entrando nesta sessão das quatro. Ele não me cumprimentou. Não me reconheceu? Ficou com vergonha da mulher, com vergonha de mim?
Nos vimos novamente na semana seguinte. Alberto ignorou o nosso encontro imprevisto, fingiu que nada aconteceu, não disse uma palavra. Pensei que pudesse ter sido uma chance de nos aproximarmos de alguma forma, de saber que existimos além daquele cubículo úmido, mas não. Passamos a sessão em silêncio absoluto, e antes de partir, sem mencionar filmes ou cinemas, ele disse ter fotos de um acidente de moto que tinha acabado de rolar no centro. “Quer ver?” Consenti, e mais uma vez, me sentei ao seu lado. Não sabia que seria a última. As imagens eram ótimas, um dos vídeos revelava exatamente onde o capacete do motorista se estilhaçou, quase uma obra de arte, mas pela primeira vez, me falou mais alto a curiosidade sobre aquele homem que gostava de tragédias e assistia filmes de romance.
Perguntei a Alberto o que ele achou do filme do Leandro Hassum e vi seu semblante mudar imediatamente, ficar tão murcho quanto sua pele depois de tanta exposição ao calor. Levantou apressado, enfiou o celular na mochila com raiva, foi se trocar nos vestiários individuais. Nunca mais me ofereceu fotos, vídeos ou qualquer tipo de conteúdo ilícito. Nos encontramos mais algumas vezes e até tentei me desculpar por invadir seu espaço particular, mas ele não deu papo e não demorou para me abandonar.
Passei a ter meu relaxamento privativo de volta, mas já sinto falta dos íntimos momentos mórbidos que dividimos. Lilian me disse que, agora, Alberto só vem às terças-feiras.
Estranhos intimos em lugares públicos. Eu amei a narrativa.
um alberto para chamar de meu