Rosa morou a vida inteira no mesmo lugar. Cruzava a passarela do metrô e mudava de regional só pra fazer sacolão. Mudou pro Grajaú e está amando o bairro: não precisa mais da via sacra pra comprar frutas e verduras. Em suas redondezas tem padaria, supermercado, laboratório de exames médicos, açougue e um empório que faz ótimas festinhas em datas comemorativas, tudo praticamente na mesma reta.
Agora, ela só sai do Grajaú pra repor os materiais de costura, que usa no trabalho. Continua gostando do Barro Preto, principalmente por não precisar pagar pelo ônibus para passear nas redondezas, porque já passou dos sessenta. Ainda bem, pois a passagem está um absurdo.
Quando visita o antigo bairro, Rosa aproveita pra almoçar na vizinhança. Ela gosta do feijão que vem no PF. Quando termina sua refeição, descasca uma mexerica fresquinha, comprada mais cedo, na frente de sua casa. A sobremesa cítrica vai bem com tudo, ainda mais com uma água de coco geladinha, transportada cuidadosamente na bolsa que costurou pra carregar o copo térmico que ganhou de presente dos filhos. Os cocos frescos no Grajaú custam só 1,99, e ela ainda aproveita a polpa da fruta pra mimar a cachorrinha que adotou. O coco é uma delícia.
Coisa que só o Barro Preto não tem.
De frente ao bar onde concordamos ter o melhor jiló acebolado dos arredores, uma portinha de metalon separa o passeio dos pedestres de um motel 24h. O entra-e-sai ocasional e discreto acompanha o movimento parado do quarteirão, onde além do fluxo de carros, quase nada acontece com entusiasmo, na exceção de uma quarta-feira particularmente abafada.
Um jovem decide aproveitar a manhã ociosa no estabelecimento pra tentar a malandragem de esvaziar o caixa e embolsar as pernoites do dia anterior. Quebra o vidro fumê que separa clientes e recepcionista e manda a letra: passa tudo que tem aí. É prontamente atendido e já caminhava pra saída com tranquilidade enquanto amarrotava as notas no bolso.
Foi surpreendido na porta de entrada por um sujeito forte, vigia do local, que com um sopapo bruto, joga o rapaz no chão enquanto as colegas ligavam no 190. O jovem, é claro, tentou aproveitar a descarga de adrenalina e juntar fôlego pra fugir. É prontamente impedido, e ainda levou a pior: seu opositor, o vigia, gritou pela comadre do caixa e solicitou encarecidamente um favor: “Neide, onde foi parar aquela algema de pelúcia que o cliente esqueceu aqui?”
Mas da vasta gama de comércios peculiares da região – e estou falando de imediações com lanchonetes que, assim como algum povo antigo latino-americano só adora o milho e nada mais, o favorito é um salão no térreo de um edifício comercial. É uma tristeza não poder nomeá-lo - inexiste ali uma placa que o identifica, diferente das outras 38 placas que dizem que homens e mulheres são bem-vindos para tratar os cabelos e elencam todos os bens de consumo que estão à venda ali, onde as escadas que antecedem o estabelecimento servem de prateleira de muda de planta, pia, boné, boina, lingerie, máscara, remédio, caldo, Minascap, chinelo, latão de Kaiser, bicicleta ergométrica, peruca, guarda-chuva, máscaras, bola de gude, e mais recentemente, uma máquina de costura. Ali tem de tudo, menos gente pra cortar o cabelo.
Coisa que só Barro Preto tem.
Bar Top 20 <3
Descrevendo sempre a vida belorizontina como ninguém 🥹♥️