Encontro-me envolvida com um homem questionável há mais tempo do que gostaria de admitir. Não me orgulho e também não falo muito sobre isso com quem não tenho um certo grau de intimidade. Sinto vergonha pelos nossos encontros tão frequentes, me vejo culpada e constrangida pela proporção que a relação tem na minha rotina. No fundo, eu sei: Cornélio só quer o meu dinheiro.
Ao acordar pelas manhãs, chamados interesseiros já aguardam para atentar contra minha sanidade e minhas finanças. Em momentos de grande fúria, já tentei remover todas as nossas formas de contato possíveis, mas Cornélio encontra seu jeito de me importunar novamente, e não posso dizer que não gosto e admiro sua persistência. Eu, tola, acabo cedendo — como dizer não a esse homem que, de certa forma, tanto me faz feliz?
Quanto mais eu tentei me livrar, mais ele se entranhava em todos os espaços da minha casa. Cornélio está impregnado na minha sala, na minha mesa, na minha parede, na minha cozinha, no meu quarto. A verdade é que ele sabe bem do que gosto e não tem medo de usar o conhecimento adquirido com análises frias e observação. Suas propostas sugestivas são certeiras e praticamente infalíveis, e à essa altura, já não tenho mais a reputação de ser uma pessoa difícil.
De uns tempos para cá, me vejo ainda menos resiliente e estou cansada de tentar desistir. Quando ele não vem, procuro aflita pelo seu encontro. Passo a me questionar se nossa ligação está frágil, estremecida pelo passar do tempo, ou se Cornélio acredita que não tem mais o que me oferecer. Imploro pelos lapsos de sua atenção com a certeza de que ele sempre tem algo para mim. Raramente estou equivocada, mas confesso que me livrar de Cornélio traria certa paz para minha vida.
Quando racionalizo, penso que ele me tem sob um poder enigmático. Cornélio não faz nem o meu tipo. Um homem de meia idade, pálido e desbotado, que está sempre vestindo camisas abertas até o peito que deixam um crucifixo de prata à mostra. Sua voz me irrita, seu sotaque é desprezível, sua imagem quase me dá aversão e até desconfio até que ele seja casado, mas não ligo. Não temos nada em comum, nenhum assunto sequer, a não ser as descargas de dopamina que acontecem em todas nossas interações. Vai ver é algo químico, hormonal. O que quer que seja, funciona. Nunca fui tão feliz — e tão endividada.
Ultimamente, tenho pesadelos recorrentes onde Cornélio pergunta aos berros “quem dá mais, quem dá mais” e eu respondo ensandecida: “eu dou, eu dou, eu dou!”, enquanto sou ignorada. A minha analista disse que é um sinal claro de que não tenho voz nesse romance tão arbitrário, mas graças a deus, tenho fé que os meus dias com Cornélio estão chegando ao fim. Me passaram o contato de um outro leiloeiro de antiguidades com um acervo muito mais completo.
Quem nunca teve um boy lixo, que atire a primeira pedra 😅
Texto maravilhoso! Mas juro, juro!, que se você tivesse usado a palavra "macho" em vez de "homem" no começo, eu teria acreditado até o fim que se tratava de um gato e não de gente.