Nina Nina Não #35: Na palma das mãos
Crianças brigam contra o atrito da roupa e da pele deslizando no metal frio de um escorregador. Disputam quem chega mais próximo do topo sem cair. Mas caem, amortecem os impactos da queda na areia. Sobem, tentam de novo. A cada escalada, conquistam novos milímetros como se ganhassem importantes batalhas. Seguir o caminho óbvio, tomar os degraus da escada, nunca foi sequer uma opção.
Sei disso porque vi em fotos. Não estou lá, mas é maio de 1980, ao menos é o que diz uma nota de rodapé colada em cada imagem de um álbum de infância sortido. Os registros permitem que qualquer um faça parte daquela tarde.Tem gente que encontra a presença nas palavras: prefiro o que é possível tocar. As fotografias que alguém não quer mais percorrem várias mãos até chegarem a mim. As minhas mãos tocam, fazem furos e nós, criam amontoados de cores e linhas, inventam novas histórias. Costuram uma tarde que provavelmente nem existiu.
Imagino como seria se estivesse lá. Com os pés descalços na terra e o cabelo bagunçado. Observaria a brincadeira de outras crianças e a julgaria boba. Que peguem logo a escada e desçam até o fim de uma só vez. Pensamento de quem não quer sujar o corpo de areia mas já a carrega grudada entre os dedos dos pés. Buscaria um outro tipo de diversão: pular em barras de ferro, dependurar de cabeça para baixo... Encontrar em outro ponto de vista o sentido de subir um escorregador ao contrário. A brincadeira não está no lado errado nem na queda. O riso não fazer sentido - e nem precisar. Acabaria desistindo da lógica. Estaria onde de fato estou: entre aqui e ali. Observando de longe, tentando sentir o mundo na palma das mãos.
As imagens dessa edição chegaram até mim pela Lívia, do @eusouatoa, que me presenteou com as fotos para bordar. "Estar onde não estou" é o título do livro da Olivia Gutierrez, publicado pela Crivo Editorial em 2018.