Nina Nina Não #33: Jornada Dupla
Depois de oito meses sem frequentar aeroportos, entrei em um avião para passar o aniversário e um feriado com a família. Mas entrar em um avião raramente é só entrar em um avião. Envolve toda uma logística preparatória de escolher roupas, dobrá-las, acomodá-las em uma mochila, achar os documentos perdidos há três meses, pegar um táxi ou um ônibus com um tempo largo de antecedência, não errar o horário do voo, ser perseguida pela certeza do esquecimento de algo importante, brigar com os imprevistos e torcer para que ninguém esteja protestando no Centro.
Entrar em um avião é uma vitória que tira dos seus ombros a probabilidade de uma falha cotidiana que é chata, e poderia ser evitada, mas acontece. O embarque final é um gol aos 43 minutos de um jogo que parece estar perdido no 0x0 que não favorece ninguém. No momento em que os motores acedem, um jogador solitário recebe um passe milagroso no meio de campo e acerta de primeira surpreendendo a todos, incluindo a si mesmo.
Minhas vitórias assim só acontecem mesmo na prorrogação. Ultrapassando todos os obstáculos que podem surgir em uma terça-feira pandêmica - incluindo o dilema de ter ou não trancado o apartamento na hora de ir embora -, consegui orgulhosamente chegar sem atrasos e até deu tempo de sentar em um cantinho confortável e responder mensagens roubando o WiFi do aeroporto. Um marco importante se considerarmos a última viagem, em que mesmo passando por 23 portões em tempo recorde, só alcancei o embarque no momento em que o avião decolou e precisei que implorar por uma vaga no voo seguinte. Felizmente, deu certo. Mas não tive tanta sorte na volta e precisei enfrentar 10 horas da Fernão Dias para chegar em casa.
O que pode parecer uma conquista frívola e cotidiana para qualquer pessoa, com certeza não é para mim. Chegar a tempo não foi o suficiente para, pela primeira vez em muito tempo, ter uma viagem tranquila. Acostumada a viajar com uma mochila de costas contendo algumas peças de roupa, decidi que seria uma boa oportunidade para fazer o frete de alguns livros e discos. Reservei o espaço da mochila para o notebook de trabalho e preparei uma mala preta de bolhinhas brancas com tudo que eu precisava para passar cinco dias: blusas, uma calça e calcinhas.
Na fila de embarque, prestes a entrar no avião e seguir para o meu destino, a sensação de que algo estava ficando para trás se tornava cada vez mais latente. Será que não aguei alguma planta? Deixei alguma verdura apodrecer na geladeira? Percebo um vazio, além do típico vácuo existencial. Um vazio diferente: um vazio nas minhas mãos. Alguma coisa realmente ficou para trás. A mala simpática, charmosa e esquecida em algum lugar. Faltam poucos minutos para o embarque encerrar e preciso, com o peso da mochila e da consciência de ser um desastre, descobrir o paradeiro da minha bagagem. Deixei do lado de fora? Minha mala já havia virado objeto de investigação do departamento antibomba? Alguém se apossou da calça de linho vermelha favorita em que paguei mais do que podia?
Só quem corre atrás de qualquer coisa conhece os passos da derrota. Eu estou sempre correndo atrás de algo que não deveria. Ônibus, trabalhos ruins, humilhação. Mas correr de máscara atrás de uma mala que eu não sabia onde estava era uma nova experiência. Uma experiência horrível, que não recomendo a ninguém. Aviso ao atendente da companhia aérea: moço, eu perdi a minha mala, não deixa o avião ir embora sem mim. Ele responde com um riso desesperado, mas confia: vai.
Volto ao raio X e percebo um burburinho entre os seguranças: alguém sabe de quem é essa bagagem? Será um atentado terrorista? O grito de "É MINHA" quase não sai entre os respiros ofegantes e é sufocado pelas camadas duplas do equipamento de proteção. A senhora sabe me dizer o que tem aqui? São minhas calcinhas, uma até meio furada na bunda. Não sei se por pena ou desânimo em insistir, não foi necessário mais nada para convencer o jovem trabalhador a entregar meus pertences.
Com a mala recuperada, era preciso voltar ao portão de embarque. Para que aeroportos tão grandes com salas tão distantes? O caminho da derrota parece não ter fim. Considerando fatores importantes como o tamanho das minhas pernas e o peso nas minhas costas, consigo correr em tempo surpreendente e tomo a última escada rolante necessária para chegar ao meu destino. O nervosismo e a urgência de não perder o voo seguram firme a minha mão, que infelizmente, solta o bem mais precioso e recém recuperado naquele mesmo momento. A mala desliza pelos degraus que descem graciosamente naquele ritmo automático e nos poupa de fazer o mínimo de esforços físico para encarar escadas.
Seria ótimo para adiantar o trajeto e poupar ainda mais tempo, se uma adorável passageira não estivesse na minha frente e fosse atingida em cheio pela violência da mala fugitiva. Meus gritos de cuidado não foram suficientes e ela caí como uma manga madura no chão. Peço desculpas enquanto corro em direção ao portão, ao mesmo tempo o atendente anuncia meu nome nos alto falantes. Última chamada para o voo 4437. Corro um pouco mais.
Quando finalmente consigo entrar, esqueço de todos os problemas, adversidades, obstáculos, foco em um único pensamento. Será uma possibilidade válida que quem está escrevendo o script da minha vida também seja responsável pela curadoria dos melhores momentos das videocassetadas do Faustão? Eu entendo e perdoo: só um emprego de criativo não consegue pagar as contas de ninguém. Mas dava pra pegar mais um pouquinho mais leve.
Beijos desastrosos,
Nina
(@ninarocha)