Nina Nina Não #27: Persona
A iniciação musical para crianças se popularizou no Brasil no fim da década de 80, na época em que os recém-casados Jorge e Fabiana levaram, pela primeira vez, seu primogênito ao jardim de infância. O casal, sempre apaixonado por música, desejava que a família em construção fosse um lugar de talentos e manifestações artísticas. Nunca reclamaram dos desenhos dos filhos nas paredes, mas apesar de classificarem os rabiscos como fofos, não viam muito futuro nas artes visuais. Quando souberam da inauguração de um conservatório de música no bairro em que moravam, não houve um minuto de hesitação: matricularam Amadeu Fernandes, com seis anos e meio, na primeira turma disponível.
A descoberta do universo multi instrumental encantou a criança de cara. Explorar cada som que ecoava na sala de doze metros quadrados revestido por espumas acústicas era o auge de sua semana. Os carrinhos com controle remoto e as brincadeiras de pega pega com os amigos do condomínio não tinham nenhuma chance disputando a atenção de Amadeu. Apesar da falta de coordenação motora do menino, seu interesse genuíno por diferentes estilos musicais compensavam a eventual falta de habilidades. Os professores insistiam: ele é jovem, vai desenvolver agilidade com o tempo.
A infância acabou e a aptidão não veio. O gosto musical peculiar para um rapaz de sua idade no entanto não demorou a chegar. Com doze anos, Amadeu descobriu as óperas de Wagner e aos treze, o impressionismo de Ravel. Na roda de amigos do Ensino Médio, não se enturmou bem por não gostar nem de Menudo nem de Nirvana. Seu negócio era Schubert e Dvorak. No terceiro ano, o dilema foi grande quando chegou a hora de fazer a opção pelo curso de segundo grau. Insistir na paixão musical e tentar a sorte como regente ou acadêmico ou ir por um caminho menos árido, com a possibilidade de um futuro financeiro mais seguro e estável?
Amadeu se formou, aos 22 anos, como economista na universidade católica paulista. Foi uma boa escolha, afinal: na graduação, aprendeu os princípios básico do investimento, arriscou na bolsa de valores e conheceu Bruno Tavares e Thiago Armino. Futuramente, os três seriam parceiros numa iniciativa inovadora que revolucionou o mercado de cashback no sudeste brasileiro. O plano ousado colocou os jovens empreendedores na lista dos empresários mais bem sucedidos do país. Com 30 anos, cansado de tanto trabalho decidiu pelo o que os jovens gostam de chamar de ano sabático. Foram meses viajando pela Ásia e Europa. Com alguns milhões na conta corrente, percorreu lugares cinematográficos escutando os sons que o encantava desde a infância. Voltou a São Paulo depois de passar os dias assistindo a Orquestra Filarmônica de Munique, Berlim e São Petersburgo e teve certeza de que a música era seu propósito de vida. Avisou aos sócios que não queria mais envolvimento e preocupação com tecnologia e investimentos. A hora de viver o sonho chegou.
Com a certeza de uma ideia genial, Amadeu começou a articular o seu próprio negócio. Durante as viagens, conheceu tanta gente interessada por música clássica que tinha certeza que conheceria ainda mais. O lucro que teve durante o breve tempo enquanto CEO de uma das startups mais rentáveis da história da bolsa iria todo para um só destino: A Bachlada. Uma casa de shows especializada em compositores eruditos e remixes de grandes clássicos. Amadeu colocou um bom dinheiro na ideia. Atraiu, no início, intelectuais, críticos e principalmente curiosos. Estudiosos de vários cantos do Brasil chegavam à Vila Madalena para conferir se era mesmo possível aproveitar as sinfonias de Beethoven e os minuetos de Bach em uma boate. Acharam a experiência singular. Se divertiram a princípio, anotaram em seu currículo “estive em uma balada de música clássica”. E nunca mais voltaram.
A Bachlada fechou as portas com menos de doze meses. O empreendimento, infelizmente, tornou-se inviável, mas não antes de dar lugar a noites dedicadas ao funk carioca nas terças e karaokê aberto aos domingos para manter o aluguel em dia. Depois de uma crise existencial e cálculos que apontavam a inviabilidade financeira de manter a casa em funcionamento, Amadeu desistiu de sua ideia revolucionária. Hoje, aos trinta e três anos, ele acredita que o brasileiro não tem cultura suficiente para apreciar os grandes eruditos. Mas, com o dinheiro que sobrou, está apostando em um aplicativo de streaming de concertos e sonha em voltar para a lista dos empreendedores mais ricos do país.
Beijos clássicos,
Nina
(@ninarocha)